Quando voltou de Tróia, Tersites estava barbubo. Havia guardado histórias rentáveis entre os despojos de guerra e contratado meia dúzia de borra-botas para armazená-las, acomodá-las na nave, carregá-las através da planície. Ao chegar, Tersites sacou sua espada, chamada mentira: disse que os que ainda não haviam regressado tinham sido devorados por bestas do mar, ou parado em alguma ilha para praticar o que há anos não faziam em casa; disse que Aquiles tinha protegido o calcanhar e que àquelas horas se banhava com algum de seus preferidos; que Tróia era feia, cheia de esgotos fedidos, e que em nada lembrava sua pólis natal. Todos se escandalizaram; perguntaram sobre a barba e o que escondia, mas Tersites garantiu que não havia cicatriz. Instalado em uma travessa qualquer, passou a se untar com as glórias típicas do foliculário: descreveu batalhas que não presenciou, mulheres que não conheceu, inimigos dos quais fugiu. Frequentou palácios, deu tapinhas nas costas, inventou saqueadores do campo que foram expostos na ágora durante os debates da pólis. Trabalhou em assembleias sem frequentá-las, apunhalou pelas costas antes e depois de ser apunhalado. Deu-se ao luxo de cultivar momentos de lirismo abjeto, a observar a gota que cai e não volta. Ele sabe que não tem volta. Acima de tudo imaginou-se o escriba, muito antes de Virgílio um chapa-branca; chamou então mais borra-botas para que escrevessem com veneno, enquanto passava noites a beber vinho, reverenciado como um guru. Tersites é o amigo do tirano, frequenta sua casa e bebe o vinho. Tersites agora é inimigo do tirano, vai da água ao vinho. Seu nome é espreita. Retoca faces aristocráticas. Publica o que deseja, o prosélito das mais desprezíveis intenções. Essa é a nauseabunda história de Tersites, o Pequeno. Aquele cuja única função, na expedição à Ílon dos fortes ventos, foi ocupar espaço no navio.
Este texto integra a série "Ogres do Paraná". O livro será lançado quando eu conseguir puxar suficiente número de sacos por aí.