sexta-feira, 21 de maio de 2010

Ouvidos inúteis, língua incontrolável

Esse trabalho de observação do homo sapiens é a senda do desgosto. Porque observar seres humanos em suas vidinhas e neuroses diárias é o desgosto supremo, a missão mais funesta que alguém pode abraçar. Só terei a lamentar se a sociedade humana não for à bancarrota em um futuro próximo, pois os limites já me são intoleráveis. Nossa espécie cresce falando, aprende as primeiras palavras com um, dois anos de idade. Para nós, é normal falar. Convencionou-se que uma pessoa fala e a outra ouve, e que assim surge uma interação, uma troca de informações. Na prática, pouca é a comunicação. As pessoas perderam a noção de que falar é se comunicar: elas falam por falar.

Observe o diálogo entre duas pessoas normais: na maioria das vezes uma conta uma história, a outra rebate com outra história. Uma cita um exemplo de sua vida, conta uma experiência sua. A outra finge que ouve enquanto aguarda uma brecha para citar um exemplo de sua vida, para contar uma experiência sua. Diálogos se tornam um amontoado de historinhas, permeadas por impressões de alguém situado em um determinado ponto do tempo e do espaço. A relatividade dessas situações, no entanto, não é percebida pelos interlocutores. Informações, conceitos e opiniões ganham um tom de absoluto – para quem falou, é claro. Juca diz que comprou materiais de construção na loja A, que é a mais barata; Jacó diz que comprou na loja B, que tem mais qualidade. Note que eles não percorreram todas as lojas para fazer tais afirmações; é só a visão a partir de um ponto. Ambos se despedem e vão embora, como se tivessem proferido verdades absolutas; assim que se dão as costas, um esquece a merda despejada pelo outro. Seguem então com suas verdades.

Há outra categoria, a dos que simplesmente não ouvem nada, e isso independe de classe social e grau de instrução. Os mais instruídos são tão abertos, tão descolados, tão inteligentes e cheios de informação, que não conseguem sossegar o rabo e ouvir o que o outro tem a dizer. Aboliram a educação, interrompem os demais, como se todos quiséssemos ouvir um amontoado de conceitos débeis, historinhas furadas, piadas sem graça e vozes de taquara rachada. As pessoas agem como a prima de Boris Kruschenko em "Love and Death", filme de Woody Allen: ele fala que está indo para a guerra e que poderá morrer; ela, de olhos vidrados, responde apenas com perguntas sobre o irmão dele, pelo qual era apaixonada. Um diálogo modelar. O ser humano chegou a um ponto em que seus ouvidos são inúteis, pois ouvem apenas bobagens, a ponto de não apreender nada de útil. Já suas línguas são o chicote de toda e qualquer bolha de bom senso que possa existir em uma sociedade de cérebros de bugil.